Giselle Beiguelman


Obra doada para a
coleção ARTEMÍDIAMUSEU

Recycled

2001-2021


Em Recycled (reciclado), obra que agora integra a coleção Artemídiamuseu, a palavra que dá nome ao trabalho aparece sempre reorganizada no site conforme a interação do observador, criando diferentes composições. Num tipo de ciberpoesia, Giselle usa da linguagem de programação aberta para reafirmar a lógica da internet: compartilhar, copiar e reciclar.
​Um “original de segunda geração”, como colocado pela própria artista, Recycled traz em sua poética o debate a respeito dos originais no contexto da internet. Aqui, Beiguelman evidencia as discussões mais avançadas em torno da conservação de net art e se alinha aos argumentos de ponta que desmontam as ideias de original e cópia, termos tão caros ao sistema da arte.
​Produzido em 2001, o trabalho precisou de uma outra versão, de 2021, para ser exibido nos sistemas atuais, estes que utilizamos em suas versões sempre atualizadas. Assim, como visto em outras produções da artista, observamos um trabalho que, reciclado, se furta do iminente efeito da obsolescência – quando obras de arte se tornam incompatíveis com sistemas mais recentes e, impossíveis de serem vistas, se perdem.

apresentação

Não é possível falar de arte das novas mídias no Brasil sem pensar na produção e pesquisa de Giselle Beiguelman. Determinada a extrair sentido crítico dos devaneios ora ideais ora fatalistas das possibilidades da tecnologia, a artista, que é também professora e pesquisadora pela FAU-USP, demonstra em sua poética ter largo domínio das ferramentas da linguagem e discernimento daquilo que lhe escapa. Compreender algo das linhas de código e das capacidades e limitações dos dispositivos eletrônicos é, entretanto, somente o primeiro passo. O olhar atento aos movimentos de transformação social e a consciência permanente das disputas que estão em jogo quando tratamos do avanço das tecnologias digitais são atributos que compõem o caráter mais marcante do seu trabalho. 

Para além disso, sua importante relação com a memória parece partir do ambiente construído, urbano, das arquiteturas e monumentos, para adentrar o campo virtual ao abrigo dos mesmos encadeamentos. Nesse sentido, a temporalidade observada em sua obra nos conduz a perceber os signos que reconhecemos de um mundo digital do passado, já superado pelas tecnologias mais recentes. Esses símbolos pertencem à lembrança de uma experiência coletiva nos espaços virtuais, por entre sistemas e máquinas, que experimentamos coletivamente nas últimas décadas. A memória constituída a partir dessa vivência não é, portanto, tão diferente daquela que construímos no espaço público das cidades, como indivíduos e como sociedade. Assim, Giselle ocupa empenas de edifícios e páginas da web como quem não enxerga limites entre as dimensões, como quem compreendeu o pós-virtual (tempo que ela mesma nomeia, de uma contemporaneidade que já ultrapassou o estranhamento à ascensão do virtual sobre as relações e a vida) antes dos outros. 

Os trabalhos apresentados aqui procuram realçar essas relações entre fazer, guardar e lembrar, enquanto destacam sua própria efemeridade. Num universo em que tudo é breve, é imprescindível preservar a memória. Recordar outros tempos também é, como vemos no trabalho de Beiguelman, reciclar e refazer, em um ciclo interminável de novidades resgatadas, sempre um tanto familiares. A memória é viva e maleável, esse é um ponto chave a se perceber aqui. Nesse aspecto, é possível entender o lugar de extrema relevância que a artista ocupa hoje, nas discussões mais avançadas tanto das artes digitais quanto da museologia. A problemática do arquivamento de objetos digitais desfia – outra vez – os limites entre a arte e a ciência. E é desse entre-lugar que a obra de Giselle se apropria; e de onde ela transborda. Seja dissolvendo as fronteiras entre o espaço físico e o virtual, seja evidenciando a nossa nova constituição ciborgue de indivíduos, Beiguelman nos mostra como têm sido as relações fabricadas na contemporaneidade. Nesse encontro, nos deparamos com o quanto de futuristas e sintéticos nos parecem esses vínculos, e o quão inevitavelmente carregados de passado eles estão.

Curadoria: Aline Ambrósio, Laura Rago e Marina Romano.


Glitched Landscapes

2013


Apresentada em formato de game, glitched landscapes nos coloca diante da imagem de uma paisagem urbana retalhada e desordenada que só pode ser vista por quem se propõe a jogar – numa operação comum aos jogos digitais, a partir do clique no botão “start game”. À primeira vista, reconhecemos um quebra-cabeça com cronômetro e somos impelidos a resolvê-lo rapidamente, arrastando as peças com os dedos ou com o cursor. Após os primeiros movimentos, no entanto, o observador-jogador é surpreendido com um glitch que encerra a partida e reinicia o jogo. 

Através do convite à atuação num ambiente fragmentado, o trabalho nos coloca como operadores corporais das funções de dispositivos que geram erros. Testemunhamos a artista precarizar a imagem deliberadamente, quando evidencia e até antecipa a falha, momento em que somos traídos por nossa própria visão – que ainda se acostuma com as novas e incomensuráveis possibilidades de olhar.


Lv Yr GIF (I love your gif)

2013


Em I Lv Yr GIF, obra de 2013, Beiguelman lança mão do recurso da temporalidade do momento da tecnologia para desenvolver um projeto de net art – manifestação que depende da internet para se realizar e ser observada –, baseado no aparecimento dos dispositivos com tecnologia touch. 

O trabalho foi produzido com gifs animados em preto e branco recolhidos em coleções pessoais de artistas referências nas artes digitais, como Jimpunk, Marisa Olson e Superbad, e em uma série de Tumblrs. Após a coleta, a artista se apropria daquelas imagens e as manipula para construir um projeto próprio, evidenciando o caráter de código aberto – disponível para  uso livre – dos materiais digitais que utiliza. O próprio nome da obra “I love your gif” sugere o processo de apropriação da artista. Inspirado pelos recursos de pinça e zoom do iPad e do iPhone e se valendo de gestos de touchscreen para interagir com a obra, o low-tech aqui rima com Wi-Fi e mobilidade, sobrepondo o passado e o futuro da internet em um delírio óptico.

biografia

Giselle Beiguelman é artista e professora da FAUUSP. Seus trabalhos integram coleções privadas e públicas, como ZKM (Museu de Arte e Mídia, Alemanha), Jewish Museum Berlin e Pinacoteca de São Paulo, entre outras, e foram destaque em jornais e veículos especializados como The New York Times, The Guardian, Folha de S. Paulo, revista seLecT e ArteBrasileiros. Recebeu vários prêmios nacionais e internacionais, entre os quais citam-se Internet World Best – The Top 50 (ZKM/ SWR, 2002) e Prêmio ABCA (Associação Brasileira dos Críticos de Arte), 2016. Foi a única brasileira a integrar o conjunto de 25 artistas internacionais que participaram da exposição The Web at 25 (2014), com curadoria do The Webby Awards (o Oscar Internacional da Internet). Entre outros críticos e curadores que escreveram sobre o seu trabalho estão: Peter Weibel, curador do ZKM, Rudolf Frieling, curador do SFMoMA, Christiane Paul, do Whitney Museum, Paulo Herkenhoff, Agnaldo Farias e Tadeu Chiarelli. É autora de Políticas da imagem: vigilância e resistência na dadosfera (UBU Editora, 2021), Memória da amnésia (Edições Sesc, 2019) e de mais de duas centenas de artigos e ensaios sobre cultura digital, entre outros livros.

Site: https://desvirtual.com