Giselle Beiguelman
apresentação
Não é possível falar de arte das novas mídias no Brasil sem pensar na produção e pesquisa de Giselle Beiguelman. Determinada a extrair sentido crítico dos devaneios ora ideais ora fatalistas das possibilidades da tecnologia, a artista, que é também professora e pesquisadora pela FAU-USP, demonstra em sua poética ter largo domínio das ferramentas da linguagem e discernimento daquilo que lhe escapa. Compreender algo das linhas de código e das capacidades e limitações dos dispositivos eletrônicos é, entretanto, somente o primeiro passo. O olhar atento aos movimentos de transformação social e a consciência permanente das disputas que estão em jogo quando tratamos do avanço das tecnologias digitais são atributos que compõem o caráter mais marcante do seu trabalho.
Para além disso, sua importante relação com a memória parece partir do ambiente construído, urbano, das arquiteturas e monumentos, para adentrar o campo virtual ao abrigo dos mesmos encadeamentos. Nesse sentido, a temporalidade observada em sua obra nos conduz a perceber os signos que reconhecemos de um mundo digital do passado, já superado pelas tecnologias mais recentes. Esses símbolos pertencem à lembrança de uma experiência coletiva nos espaços virtuais, por entre sistemas e máquinas, que experimentamos coletivamente nas últimas décadas. A memória constituída a partir dessa vivência não é, portanto, tão diferente daquela que construímos no espaço público das cidades, como indivíduos e como sociedade. Assim, Giselle ocupa empenas de edifícios e páginas da web como quem não enxerga limites entre as dimensões, como quem compreendeu o pós-virtual (tempo que ela mesma nomeia, de uma contemporaneidade que já ultrapassou o estranhamento à ascensão do virtual sobre as relações e a vida) antes dos outros.
Os trabalhos apresentados aqui procuram realçar essas relações entre fazer, guardar e lembrar, enquanto destacam sua própria efemeridade. Num universo em que tudo é breve, é imprescindível preservar a memória. Recordar outros tempos também é, como vemos no trabalho de Beiguelman, reciclar e refazer, em um ciclo interminável de novidades resgatadas, sempre um tanto familiares. A memória é viva e maleável, esse é um ponto chave a se perceber aqui. Nesse aspecto, é possível entender o lugar de extrema relevância que a artista ocupa hoje, nas discussões mais avançadas tanto das artes digitais quanto da museologia. A problemática do arquivamento de objetos digitais desfia – outra vez – os limites entre a arte e a ciência. E é desse entre-lugar que a obra de Giselle se apropria; e de onde ela transborda. Seja dissolvendo as fronteiras entre o espaço físico e o virtual, seja evidenciando a nossa nova constituição ciborgue de indivíduos, Beiguelman nos mostra como têm sido as relações fabricadas na contemporaneidade. Nesse encontro, nos deparamos com o quanto de futuristas e sintéticos nos parecem esses vínculos, e o quão inevitavelmente carregados de passado eles estão.
Curadoria: Aline Ambrósio, Laura Rago e Marina Romano.
biografia
Giselle Beiguelman é artista e professora da FAUUSP. Seus trabalhos integram coleções privadas e públicas, como ZKM (Museu de Arte e Mídia, Alemanha), Jewish Museum Berlin e Pinacoteca de São Paulo, entre outras, e foram destaque em jornais e veículos especializados como The New York Times, The Guardian, Folha de S. Paulo, revista seLecT e ArteBrasileiros. Recebeu vários prêmios nacionais e internacionais, entre os quais citam-se Internet World Best – The Top 50 (ZKM/ SWR, 2002) e Prêmio ABCA (Associação Brasileira dos Críticos de Arte), 2016. Foi a única brasileira a integrar o conjunto de 25 artistas internacionais que participaram da exposição The Web at 25 (2014), com curadoria do The Webby Awards (o Oscar Internacional da Internet). Entre outros críticos e curadores que escreveram sobre o seu trabalho estão: Peter Weibel, curador do ZKM, Rudolf Frieling, curador do SFMoMA, Christiane Paul, do Whitney Museum, Paulo Herkenhoff, Agnaldo Farias e Tadeu Chiarelli. É autora de Políticas da imagem: vigilância e resistência na dadosfera (UBU Editora, 2021), Memória da amnésia (Edições Sesc, 2019) e de mais de duas centenas de artigos e ensaios sobre cultura digital, entre outros livros.
Site: https://desvirtual.com